Durante muitos anos, a figura do médico diagnosticador foi de fundamental importância para a Medicina. Ele desvendava o mistério da doença do paciente através da história clínica e do exame físico, necessitando mesmo de quase nenhum exame confirmatório. Pouco a pouco, o diagnóstico passou a ter o auxílio cada vez mais presente da tecnologia. Mas, paradoxalmente, o diagnóstico não se tornou mais fácil. Pelo contrário, houve uma proliferação de conceitos na tentativa de entender a revolução que se processou: incidentalomas (nódulos encontrados em exames solicitados por outra razão), achados laboratoriais de significado duvidoso, pseudo-doenças e a necessidade de redefinição do que era considerado normal. O conhecimento “progrediu” e incorporou a tecnologia em fluxogramas de raciocínio clínico - os algoritmos - de modo a “facilitar” o uso das novas tecnologias para diagnóstico que proliferaram, principalmente após a descoberta do uso clínico dos raios-X por Wilhelm Roentgen.
O médico diagnosticador ficou domesticado dentro de esquemas de raciocínio e subjugado por enormes e sofisticadas máquinas que cortam o corpo humano sob todos os eixos e o reconstroem em imagens tridimensionais, fazendo ver o que não se vê. Ficou refém de exames específicos e sensíveis tendo de escolher entre o raciocínio estatístico e o fisiopatológico de sua formação original. Talvez daí provenha uma das razões do sucesso da série House: seu confronto (e até desprezo) frente a tecnologia médica e ao saber comum da medicina.
A tecnologia não só permite o diagnóstico como vai mais além: constitui o próprio conceito de doença . Há doenças forjadas dentro de um ambiente totalmente tecnológico. Mas ainda surge outro problema. Se se pode diagnosticar doenças que ainda não se manifestaram, então que exames realizar no paciente que se diz são? Forças-tarefa em vários países esforçam-se em responder a pergunta laica: que doenças ocultas podemos diagnosticar a tempo? O exame clínico não mais basta. Pior, a opinião médica não basta. O próprio paciente indica o exame complementar. Trafega de médico em médico até conseguir a solicitação do exame que lhe acalma. É uma solicitação de seu círculo familiar, de amigos ou até de médicos amigos, em suma, da própria sociedade na qual a tecnociência é a ideologia.
Neste quadro, qual seria o papel do médico diagnosticador?
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3 comentários:
que bela imagem! a mãe já se entregou ao desespero, o marido cuida dela. o médico não desistiu, nem parece ter chegado ao ponto de achar que só o que pode fazer é reduzir o sofrimento da pequena paciente.
me lembra uma história do livro "O sr. está brincando, sr. feynman?". Antes de virar físico, o feynman era um menino que gostava de montar e desmontar aparelhos e era chamado para consertar tudo na vizinhança. diante de um rádio quebrado, ficou contemplando o aparelho tentando encaixar os "sintomas" na mente. o vizinho, perplexo, exclamou: "esse menino conserta rádio pensando!"
parece que quanto mais a tecnologia avança, mais a gente esquece de pensar. e se torna tristemente comum entre médicos, me parece.
e entra na cultura. muita gente acha que bom médico é aquele que pede uma série de exames. eu prefiro confiar naquele que investe um tempo em conversar...
Excelente a analogia com Feynman. Interessante é o "entra na cultura". Espero falar mais sobre isso. Obrigado
Acho que House é instigante não tanto por desprezar a tecnologia, mas por valorizar o raciocínio. Os resultados podem mentir, as pessoas podem mentir, mas a inteligência não.
Ele consegue ser uma figura quase mágica. Bem podia existir esse tipo de médico, ou ao menos quem o tente ser, minha mãe seria grata por não ter que fazer milhões de testes inúteis e ouvir sempre 'é estresse'.
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