domingo, 21 de setembro de 2008

MUDANÇA DE ENDEREÇO

O Ecce Medicus recebeu um convite para participar de um portal de ciências. E aceitou.
Tenho certeza que esses 8 meses foram proveitosos, principalmente para mim.
Gostaria de continuar contando com a participação de todos na "nova casa".


domingo, 14 de setembro de 2008

Quociente de Inteligência e Orientação Política

Turn_Left.jpg
Some political advice for conservatives. By Sam Wilkinson.

Em tempos de eleição é sempre importante darmos uma checada nas nossas escolhas. Principalmente se pudermos fazer uma escolha "inteligente". Por anos, psicólogos, sociólogos, antropólogos e cientistas das mais variadas áreas têm tentado demonstrar uma relação entre "inteligência" e "orientação política". Seriam os liberais mais inteligentes ou não?

Um artigo in press da revista Personality and Individual Differences tenta abordar esse assunto. O título é direto: "Is there a relationship between political orientation and cognitive ability? A test of three hypotheses in two studies. O autor é Markus Kemmelmeier, sociólogo da Universidade de Nevada. (para o abstract, clique aqui). Segundo o resumo:

"Two studies tested one linear and two curvilinear hypotheses concerning the relationship between political conservatism-liberalism and cognitive ability. Study 1, focusing on students at a selective US university (n = 7279), found support for the idea that some dimensions of conservatism are linked to lower verbal ability, whereas other dimensions are linked to higher verbal ability. There was also strong support for political extremists both on the left and right being higher in verbal ability than centrists. Study 2 employed aggregate data pertaining to the 50 US states and demonstrated that conservatism was linked to lower cognitive ability in states with high political involvement, but found conservatism to be correlated with higher average ability in states with low political involvement. The discussion addresses potential implications and criticisms of this research."

O assunto é complexo. Até Theodor Adorno deu os seus pitacos em 1950! (ver aqui e aqui). Fico pensando se o QI é um bom método para medir tais variáveis, se não existiria um bias de publicação e se ser de "esquerda" nos EUA é a mesma coisa que ser de "esquerda" na França ou no Brasil. Não consigo desvincular tais publicações de tentativas de legitimação, mas vindo de um país como os EUA, tudo fica muito confuso. Gostaria de ouvir a opinião dos leitores.

domingo, 7 de setembro de 2008

Ecce Medicus


O Ecce Medicus surgiu da necessidade de uma reflexão mais aprofundada da prática médica. Acredito que a Medicina passa por uma profunda crise. Uma crise num produto científico-cultural como é a Medicina, sempre se manifesta sob várias perspectivas, e nunca vem isolada. Fazem parte: o esgotamento ético que tem por base o próprio médico, o paciente e tudo que gira em torno dessa relação como grandes conglomerados farmacêuticos, fornecedores de materiais médico-cirúrgicos, convênios e seguradoras de saúde, instituições hospitalares e acadêmicas, políticas de saúde nos diferentes países e culturas do planeta. A tecnologização da prática médica e a quase impossibilidade de percepção desse fenômeno pelo médico comum. A redução da ciência médica à tecnologia e seus derivados imediatos tendo como consequência mais grave, a constituição contemporânea do conceito de doença pela tecnologia ela mesma, entre outros tantos problemas.

Com isso, não poderia furtar-me da filosofia. Muito mais uma reflexão sistemática que um filosofar rigoroso, a filosofia do Ecce Medicus é indissociável do mundo da vida, em especial do mundo da prática médica. Com Rorty, acredito que o papel da filosofia hoje é muito mais explicar nossa cultura e provocar reflexões críticas.

Assim, pretende-se, ambiciosamente, produzir uma crítica da razão médica. Eritis sicut dii, a epígrafe do blog, é a fala da Serpente do Paraíso à Eva - “sereis como deuses” - ao oferecer-lhe a maçã do conhecimento. É o que alguns médicos arrogante e inocentemente acham de si. Entretanto, é uma divina dúvida que quero revelar. É a autópsia desse pensamento técnico e moral do médico contemporâneo que me interessa. Seu pequeno mundo, suas certezas, seus deslizes, suas angústias, são o material que servirá de objeto aos propósitos desse weblog. Para que se possa contribuir com um conhecimento - não como um pacote pronto, mais que isso - um projeto sempre inacabado - de como um médico se torna o que é, nos dias de hoje.

Eis o médico, pois. Ecce Medicus.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O Risco

photo by Ivan Makarov

Na Epidemiologia do Risco, a "velha" epidemiologia observacional das doenças infecciosas, com inveja das ciências médicas experimentais, abandona sua antiga metodologia da exposição e passa "a tratar principalmente das doenças crônicas não-transmissíveis, para as quais os métodos observacionais ainda não foram completamente explorados. Através do estudo das circunstâncias sob as quais essas doenças experimentam uma prevalência incomum, espera-se identificar áreas nas quais o trabalho experimental laboratorial possa se concentrar para a identificação dos agentes causais específicos."

No Risco, a especulação causal é a razão de ser da investigação biomédica e deve sugerir vínculos causais para que as ciências biomédicas experimentais explorem "adequadamente" tais associações. Uma das principais críticas desse tipo de atitude é sua inerente "rarefação teórica". Se quer dizer com isso que a validação das proposições geradas na epidemiologia do risco não vem de "dentro", mas de "fora", ou seja, das ciências biomédicas, ditas "duras". Ao terceirizar seu discurso de verdade, a epidemiologia ficou refém da doença e de seus correlatos.

Essa situação abre caminho para as deformações do pensamento médico da atualidade e aqui me distancio do professor José Ricardo Ayres. Hoje a Epidemiologia do Risco (com toda sua rarefação teórica) substitui a Anatomia Patológica na racionalidade médica contemporânea! A validação do discurso da Anatomia Patológica era dada através da própria experimentação e análise post-mortem. A Epidemiologia do Risco não valida seu discurso, remete essa tarefa às ciências biomédicas, que sem saber para onde ir, por sua vez, erram sem destino, dando a exata sensação de caminhar em círculos. Ao transferir esse raciocínio para a esfera do mundo acadêmico, entendemos as "máquinas de publicação", fator impacto, medicina baseada em evidências e todos os fatores que tornam a medicina contemporânea excelente, porém praticada por médicos muito ruins.

domingo, 31 de agosto de 2008

Auto-Retrato


Esta figura de Patrick Corrigan descreve como poucas o objetivo desse blog: a reflexão do médico sobre sua atividade diária. O símbolo moderno do médico e da Medicina é a caveira (ou, mais corretamente, o crânio! Que o digam as faculdades, associações acadêmicas e atléticas). Esse tipo de reflexão, às vezes, pode causar uma espécie de mal-estar ou um curto-circuito cerebral, mas sempre valerá a pena.

sábado, 23 de agosto de 2008

Epidemiologia da Exposição

Vírus do Sarampo

A grande marca das ciências modernas é terem se estruturado num modo de argumentar baseado na experimentação, ou apoiado na dedução lógica e/ou na matemática. A forma de se fazer perguntas sobre o mundo e a obtenção de respostas com valor de verdade apóiam-se fundamentalmente nas relações formais entre hipóteses e conclusões, retiradas das ciências chamadas "duras".

A Epidemiologia não queria ficar para trás. Por isso, William Heaton Hamer, personagem paradigmático do período, na década de 30 construiu as curvas de epidêmicas do sarampo na Inglaterra. Com elas, os períodos de aumento e diminuição dos casos ao longo dos anos não precisavam mais de teorias miasmáticas e metafísicas para sua explicação. Sigamos Ayres:

"Embora Hamer tenha construído seu raciocínio ainda muito influenciado por conceitos e concepções da epidemiologia da constituição, esse epidemiologista fornece uma base bastante interessante para a sua sucedânea, a epidemiologia da exposição. Isto porque, por um lado, abriu um importante espaço para a quantificação, o que viria a ter enorme importância na década de 30, após os significativos avanços que a estatística alcançou na década de 20. Por outro lado, o equacionamento dos diversos fatores envolvidos nos fenômenos epidêmicos e a elaboração de seus potenciais desdobramentos em função de suas relações matemáticas, confere aos fenômenos epidêmicos possibilidades de manipulação e preditibilidade extremamente interessantes para o ambiente pragmatista que passava a dominar a cena da época."

Com isso, chegamos à Epidemiologia do Risco.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O Paradigma do Risco

Max Joseph von Pettenkofer. From Wikipedia, the free encyclopedia

Vamos seguir o raciocínico de José Ricardo Ayres no paper Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco da Revista Brasileira de Epidemiologia, 28 Vol. 5, supl. 1, 2002. Nos interessará principalmente o processo de construção histórico-epistemológica da epidemiologia do risco, como também bastante mais aprofundado no livro do mesmo autor "Sobre o Risco" (infelizmente esgotado!)

A evolução do pensamento epidemiológico pode ser dividida em três grandes períodos definidos pela completude da penetração da modernização no discurso científico que lhe servia de base. Essa evolução pode ser avaliada em três eixos principais: 1) controle técnico das doenças como objetivo normativo; 2) comportamento coletivo dos fenômenos patológicos; e 3) variação quantitativa linguagem que mais autenticamente expressava a possibilidade de se apreender e intervir sobre tais fenômenos coletivos e o seu controle técnico.

O primeiro período é chamado de Epidemiologia da Constituição (1872-1929). John Snow é quem primeiro aplica conceitos modernos de epidemiologia na epidemia de cólera da Londres vitoriana. Nesse período inicial, o Instituto de Higiene de Munique fundado por Pettenkofer é o exemplo para a escola de Saúde Pública da Johns Hopkins. De caráter mais pragmático e atuante, veio modificar o pensamento epidemiológico da época por utilizar-se de uma "macrofisiologia" para explicação dos fenômenos de saúde pública, como um "Claude Bernard" epidemiológico. Aqui, já começa a aparecer traços do risco. Nas palavras do autor:

"O termo risco começa a surgir no jargão epidemiológico ainda em plena fase da epidemiologia da constituição, em torno dos anos 20. À proporção que o conceito de “meio externo”, relacionado a uma perspectiva mais teorética e ontológica acerca das “constituições” desfavoráveis à saúde, vai se rarefazendo conceitualmente, o risco vai se adensando, configurando uma perspectiva mais tecnicista e pragmática de tratar dos mesmos fenômenos. À medida em que o meio vai sendo marginalizado na estrutura argumentativa da epidemiologia, o risco vai definindo a sua centralidade até assumir, numa nova configuração discursiva, um papel definidor da perspectiva analítica mais característica da ciência epidemiológica."

Continuaremos com a Epidemiologia da Exposição e Epidemiologia do Risco.