terça-feira, 11 de março de 2008
Teoria, Tecnologia, Praxis
Em 1993, Hans-Georg Gadamer fez sua incursão ao mundo da medicina. The Enigma of Health (tradução para o inglês de 1996) é uma coletânea de ensaios e palestras que o filósofo reuniu ao pensar sobre a atividade médica.
O primeiro capítulo tem o título deste post. Logo nas primeiras páginas se percebe a agudeza do raciocínio. Ao abordar a questão da teoria e da prática, ele propõe a seguinte fórmula ao leitor:
A Ciência é incompleta. A incompletude da ciência experimental decorre de sua pretensa universalidade pois sempre necessita de novas experiências para comprovar (ou refutar) teorias ou modelos explicativos.
Mas o que é a prática? Seria a prática uma simples aplicação da ciência? Prática significa não apenas fazer o que deve ser feito; também é uma escolha entre possibilidades. A prática tem, portanto, uma relação com um sujeito atuante. A prática que se baseia no conhecimento científico é obrigada a tratar o conhecimento a um só tempo, como completo e certo, pois necessita tomar decisões.
Mas o conhecimento gerado pela ciência não é deste tipo!
É na tensão surgida do esforço da prática em interrogar a ciência em busca de respostas cotidianas que o médico procura seu eu atuante.
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8 comentários:
Caro Karl, retomando o que já foi escrito no post anterior, a colocação de Gadamer é uma lúcida crítica à medicina baseada em evidências ("Prática significa não apenas fazer o que deve ser feito; também é uma escolha entre possibilidades."). O repertório de possibilidades vai além da ciência, embora esteja dentro dos limites impostos pelo método científico (boa discussão seria conceituar o mítico "método científico", como já fez Rubem Alves em livro homônimo, se não me falha a memória). Este seu blog está me fazendo pensar um pouco mais. Obrigado.
Caríssimo, Aleph
A decisão entre tratar ou não um determinado paciente, com determinado medicamento não deve, NUNCA, ser deixada a cargo de um artigo científico.
É uma boa questão se o repertório de possibilidades está dentro do método científico. Na definição deste último leva-se em conta intuição, subconsciente e bagagem cultural do médico?...
Caro Karl, deveríamos ir a Descartes para definir "Método". Eu acredito que bagagem cultural deve entrar em qualquer "método". Como escreveu Paul Valéry defronte do Palais de Chaillot: "Depende de quem passa que eu seja tumba ou tesouro". O método correto, a sacada genial: só o enxergam quem possui muita bagagem...
(Descartes, não!!!)
Vai daí que as possibilidades de escolha são infinitas. Não creio ser isso que determina a diferença.
A diferença está no que acontece depois da escolha: quem se responsabilizará/cuidará do paciente? O artigo ou o médico?
Acho mesmo que tudo isso tem muito do que a ciência considera não-científico. Essa é a angústia do médico contemporâneo. Depende do médico transformar as coisas em tumba ou tesouro...
Caro Karl, não entendi a aversão a Descartes. Foi vc mesmo que já escreveu em outro web-espaço que precisamos "contextualizar as coisas", o que acredito piamente.
(Mandarei o artigo cuidar do paciente. Muito boa!).
Não. Não é aversão. Também escrevi que não se trata de gostar ou não e sim, ultrapassar.
Esse, já foi ultrapassado faz tempo...
Mas, caríssimo amigo, faça melhor. Mande o artigo falar com as famílias, como frequentemente alguns médicos fazem ;)
Karl, vc terá que me explicar melhor a superação sofrida pelo conceito de "método" cartesiano.
"Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável."
Isso está ultrapassado? Não é, de certa forma, uma crítica aos cegos segidores de artigos?
Citaste exemplos da dúvida sistemática e do gênio maligno que ele imaginou para combater o ceticismo, que incomodava bastante na época. Combateu fogo com fogo os céticos (e obviamente, venceu a batalha!).
Quem sou eu para espinafrar Descartes num post!! Me interessa o trabalho epistemológico dele. Digo que foi ultrapassado não no sentido de estar obsoleto e sim, no fato de que seu sistema se mostra inadequado para interpretar um mundo onde a verdade é construída e não descoberta. Isso seria inaceitável para ele, não?
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