domingo, 20 de julho de 2008

Disease Mongering

Sarah Hillenberger at Street Anatomy

A Folha (Caderno Mais!) de hoje vem com quatro artigos que muito têm a ver com alguns dos conteúdos deste blog. Vou comentar dois:

E primeiro lugar a entrevista com Christopher Lane, professor do departamento de Inglês da Northwestern que publicou o livro "Shyness" denunciando algo que já é meio batido no meio médico (ver Disease Mongering na Plos) que é a criação de doenças com objetivos prescritórios (neologismo meu!). Não li o livro e acho que não vou ler. De interessante é a chamada para a mudança no DSM IV (catálogo de doenças que facilita a sua classificação) do tipo de definição psicanalítica para biomédica nos últimos anos sugerindo a virada reducionista na ciência médica (discutida à exaustão neste blog). Pelo que sugere a entrevista, trabalha com o conceito de normalidade para definir a doença e incorre em erros clássicos associados a esse procedimento (ex. achar que a idéia de normal ficou estreita demais hoje em dia e isso teria como resultado a medicalização).

Em segundo lugar, a (surpreendente) entrevista de Valentim Gentil Filho. Neuropsiquiatra com tendências reducionistas, dá uma excelente entrevista e aponta um erro clássico da análise do livro (e dos médicos americanos em geral) que é considerar o DSM IV (um catálogo, como dissemos) como um livro-texto. É como se o leitor resolvesse, por exemplo, aprender literatura olhando o catálogo de uma livraria. Vale a leitura pelo olhar médico equilibrado. Fica clara a preocupação com o paciente que sofre. Se o sofrimento é uma sociopatia, ok, o médico ao invés de mudar a sociedade, acha mais simples aliviar o padecimento de seu paciente. Parece mais ou menos óbvio. Depois, chama a atenção para a disputa ferrenha e muitas vezes desleal, de clientes no bilionário mercado da psicoterapia. É uma briga de bastidores e o cliente pouco ou nada sabe. Valentim denuncia um certo exagero nas acusações sobre medicalização, muitas delas oriundas da vertente dita "Psi", que não pode prescrever por lei. Por outro lado, a falta de escrúpulos de maus profissionais e as recém-descobertas associações de pesquisadores com a indústria farmacêutica que originaram estudos tendenciosos sobre tratamento de doenças comuns e crônicas (as que mais interessam à Big Pharma, entre elas, a depressão) fez despencar a credibilidade da classe médica.

Muito do que se discute, tem a ver com o conceito contemporâneo de doença. Esse conceito envolve não apenas a normalidade (pois o "normal" pode ser o "comum", o "natural" ou o que "não dá sintomas", entre outros!), como também a produção social do que seria uma vida saudável e boa, o que introduz uma outra dimensão bastante mais complexa na discussão. Por mais filosófica, árida e até mesmo chata, que seja essa discussão, acredito que o caminho é esse. A Medicina é uma atividade moral pois deve preocupar-se com os meios para atingir seus objetivos. A minimização do padecimento humano passa também pelo reconhecimento de que tipo de padecimento estamos a discutir.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Karl, em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo pelo post. Em segundo, dizer que você soía ser mais afeito a uma boa diatribe.

Já disse uma vez, talvez aqui mesmo, que é próprio do homem, desde Lineu até a DSM-IV, classificar para tentar amenizar a ignorância sobre os fatos que o cercam. Junte-se a isso as ambições da Big Pharma e uma doença tão prevalente como a depressão: é só classificar "melhor" para fazer de qualquer traço de personalidade, qualquer "distimiazinha" uma condição que exija imediato tratamento medicamentoso, imediata conduta "prescritória".

Mais uma curiosidade. O Prof. Valentim foi apresentado como "neuropsiquiatra"? Não li a matéria, mas se foi assim, sei não...

Abraço!

Karl disse...

Caríssimo Aleph,

Muito Obrigado. Sei que amargo estás por razões ludopédicas e por isso sei como é difícil elogiar nesses momentos.

Estava de merecidas férias e por isso não polemizei, principalmente depois do último post seu (fraquinho) e da Maria tratar de nos colocar em nossos devidos lugares.

Concordo com classificações, muitas vezes são a primeira forma de conhecer. Não concordo com o uso de um classificador como fonte de conhecimento outra, que não uma arbitrária classificação. Quanto a "neuropsiquiatria" também sou obrigado a concordar contigo. Mas a entrevista é boa.