domingo, 31 de agosto de 2008
Auto-Retrato
sábado, 23 de agosto de 2008
Epidemiologia da Exposição
A grande marca das ciências modernas é terem se estruturado num modo de argumentar baseado na experimentação, ou apoiado na dedução lógica e/ou na matemática. A forma de se fazer perguntas sobre o mundo e a obtenção de respostas com valor de verdade apóiam-se fundamentalmente nas relações formais entre hipóteses e conclusões, retiradas das ciências chamadas "duras".
A Epidemiologia não queria ficar para trás. Por isso, William Heaton Hamer, personagem paradigmático do período, na década de 30 construiu as curvas de epidêmicas do sarampo na Inglaterra. Com elas, os períodos de aumento e diminuição dos casos ao longo dos anos não precisavam mais de teorias miasmáticas e metafísicas para sua explicação. Sigamos Ayres:
"Embora Hamer tenha construído seu raciocínio ainda muito influenciado por conceitos e concepções da epidemiologia da constituição, esse epidemiologista fornece uma base bastante interessante para a sua sucedânea, a epidemiologia da exposição. Isto porque, por um lado, abriu um importante espaço para a quantificação, o que viria a ter enorme importância na década de 30, após os significativos avanços que a estatística alcançou na década de 20. Por outro lado, o equacionamento dos diversos fatores envolvidos nos fenômenos epidêmicos e a elaboração de seus potenciais desdobramentos em função de suas relações matemáticas, confere aos fenômenos epidêmicos possibilidades de manipulação e preditibilidade extremamente interessantes para o ambiente pragmatista que passava a dominar a cena da época."
Com isso, chegamos à Epidemiologia do Risco.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
O Paradigma do Risco
Vamos seguir o raciocínico de José Ricardo Ayres no paper Epidemiologia, promoção da saúde e o paradoxo do risco da Revista Brasileira de Epidemiologia, 28 Vol. 5, supl. 1, 2002. Nos interessará principalmente o processo de construção histórico-epistemológica da epidemiologia do risco, como também bastante mais aprofundado no livro do mesmo autor "Sobre o Risco" (infelizmente esgotado!)
A evolução do pensamento epidemiológico pode ser dividida em três grandes períodos definidos pela completude da penetração da modernização no discurso científico que lhe servia de base. Essa evolução pode ser avaliada em três eixos principais: 1) controle técnico das doenças como objetivo normativo; 2) comportamento coletivo dos fenômenos patológicos; e 3) variação quantitativa linguagem que mais autenticamente expressava a possibilidade de se apreender e intervir sobre tais fenômenos coletivos e o seu controle técnico.
O primeiro período é chamado de Epidemiologia da Constituição (1872-1929). John Snow é quem primeiro aplica conceitos modernos de epidemiologia na epidemia de cólera da Londres vitoriana. Nesse período inicial, o Instituto de Higiene de Munique fundado por Pettenkofer é o exemplo para a escola de Saúde Pública da Johns Hopkins. De caráter mais pragmático e atuante, veio modificar o pensamento epidemiológico da época por utilizar-se de uma "macrofisiologia" para explicação dos fenômenos de saúde pública, como um "Claude Bernard" epidemiológico. Aqui, já começa a aparecer traços do risco. Nas palavras do autor:
"O termo risco começa a surgir no jargão epidemiológico ainda em plena fase da epidemiologia da constituição, em torno dos anos 20. À proporção que o conceito de “meio externo”, relacionado a uma perspectiva mais teorética e ontológica acerca das “constituições” desfavoráveis à saúde, vai se rarefazendo conceitualmente, o risco vai se adensando, configurando uma perspectiva mais tecnicista e pragmática de tratar dos mesmos fenômenos. À medida em que o meio vai sendo marginalizado na estrutura argumentativa da epidemiologia, o risco vai definindo a sua centralidade até assumir, numa nova configuração discursiva, um papel definidor da perspectiva analítica mais característica da ciência epidemiológica."
Continuaremos com a Epidemiologia da Exposição e Epidemiologia do Risco.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Seeding Trials
Ou como "roubar" em um estudo científico. Ao checar os links do outro post, achei essa jóia. A história é a seguinte: Em 1999 a Merck & Co propôs um estudo com um novo analgésico/antiinflamatório chamado Vioxx, cujo nome químico é rofecoxib. Devido a disputas judiciais (decorrentes principalmente do fato de medicações desta classe causarem um aumento da mortalidade cardiovascular, entre outros efeitos), a justiça americana teve acesso a documentos confidenciais da empresa, referentes às estratégias de marketing envolvidas no estudo e isso gerou várias publicações e posts.
Esse tipo de estudo é um exemplo de seeding trial por disseminar os procedimentos do protocolo entre os médicos participantes do estudo - que em geral, já são formadores de opinião, a saber, têm suas condutas imitadas por outros médicos. Assim, a prescrição de um medicamento em determinada situação clínica vai se disseminando (disseminare = semear) entre os médicos.
Há muito tempo se "sabia" desse tipo de procedimento. Os laboratórios tinham um tipo de "estudo" que era o seguinte: distribuíam um documento (invariavelmente, bem escrito, em papel excelente) para o médico preencher em cada paciente que arrumasse para uso de determinado produto. Como esses casos seriam agrupados para um futuro estudo (!?), o médico (ou a instituição seriam reembolsados) por caso. Eu mesmo tive várias propostas desse tipo.
No caso deste estudo, a diferença é que tudo foi devidamente escancarado à opinião pública! Todo mundo sabe que existem certas práticas que não são assim, digamos, exemplo de ética. Entretanto, quando a coisa é exposta à sociedade há uma consternação geral. Uma indignação. É fato que isso ocorreu há quase 10 anos e a lei do compliance veio melhorar a relação promíscua entre médicos e Big Pharmas, porém muito ainda há a ser feito, principalmente no Brasil, onde, pra variar, não temos legislação específica. Reproduzo o primeiro parágrafo da discussão do artigo:
"Merck conducted a seeding trial to promote the prescription of Vioxx. The trial coincided with the FDA’s approval and the availability of the product on the market in 1999. Although billed as a gastrointestinal safety study, ADVANTAGE was actually a sophisticated marketing tool designed to allow optimal “seeding” of positive experiences with Vioxx among customers—primary care physicians— before its approval. As a result, 5557 participants received Vioxx and 600 investigators prescribed it just before it became available on the market, which generated positive publicity and anecdotes from physicians and patients (7,22). Sales of Vioxx could then benefit from a “2-step flow” of media influence, with Merck’s marketing enlisting ADVANTAGE investigators as advocates who in turn influenced many other physicians and patients (27)."
Sem outros comentários.
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
Contra o Diagnóstico
Um artigo do Annals Internal Medicine de 5 de Agosto chamou a atenção dos médicos. O artigo tem o título “Against Diagnosis”( Ann Intern Med. 2008;149:200-203). Como pode alguém publicar um artigo “contra o diagnóstico”? Na verdade, a proposta dos autores, que são epidemiologistas do Memorial de Nova Iorque, é que pensar na doença em termos de predição de risco é muito mais vantajoso que pensar nela em termos de diagnóstico. Vejamos:
Para eles, existem duas vantagens principais: 1) Dado que muitas variáveis em medicina são contínuas, p.ex. glicemia de jejum, pressão arterial, etc; qual seria o nível a partir do qual classificaríamos um paciente de hipertenso ou não? Diabético ou não? 2) E se o paciente tivesse vários fatores de risco, não valeria a pena colocarmos o “sarrafo” mais acima para evitar complicações precoces? Todas essas perguntas realmente colocam em xeque a abordagem da doença via arbitrariedade do diagnóstico. O diagnóstico como ferramenta cognitiva binária não dá conta do contínuo de variáveis de um ser humano real. Principalmente quando tratamos de doenças com intervalo de normalidade arbitrário.
Confesso que o texto é sedutor. Entretanto, quando acabei de ler, fiquei com aquela sensação de que não percebi o truque, ou que caí em alguma pegadinha. Depois de ruminar o texto alguns dias, achei uma explicação em um texto de epidemiologia. Tentarei expor isso nos próximos posts.
sábado, 16 de agosto de 2008
Da cor do Cielo
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Os Efeitos Colaterais do Rastreamento
Há um pensamento comum de que caso se possa detectar precocemente uma doença, é melhor que o façamos o mais rapidamente possível, principalmente quando ela for potencialmente letal como por exemplo, um câncer de próstata ou mama. O que não é comum é a idéia de que isso possa trazer prejuízos, muitas vezes graves. A bem da verdade, alguns exames de rastreamento podem de fato trazer mais problemas que a própria doença que procuram.
Um exame de rastreamento (em inglês, screening) para ser útil em rastrear uma doença em grande escala, precisa ser pouco invasivo (de preferência, um exame de sangue ou raio-x simples), barato, ter poucos resultados falso-positivos e falso-negativos. Disse poucos, porque é impossível eliminar situações onde resultados são positivos e o paciente NÃO tem a doença (falso-positivo) ou negativo, o que é mais grave, e o paciente TEM a doença. Por essa razão, os testes de rastreamento em geral são mais sensíveis que específicos o que significa que raramente deixam escapar o diagnóstico. Em compensação, às vezes diagnosticam doenças em quem não tem nada. Se deixar escapar um diagnóstico de uma doença letal é muito grave, diagnosticar doença em quem não tem gera um problema sério: novas condutas!
Esclareço. Um exame de próstata positivo pode gerar uma biópsia prostática. Múltiplas pequenas perfurações que, não raro, sangram de forma importante. Uma imagem estranha na mama pode gerar múltiplas biópsias e um comprometimento psicológico difícil de quantificar por quem nunca passou por uma situação dessas.
Por isso, o debate sobre o screening do câncer de próstata continua e parece interminável. Alguns aproveitam a ansiedade que muitos pacientes têm e, a exemplo do que acontece com o teste de gravidez, lançam teste de autodiagnóstico para câncer de próstata!! Um paciente que compra esse kit sem falar com seu médico já tem um grau de ansiedade maior do que a população normal. Imagine se o teste der um falso positivo!
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
A Blogerização do Pensamento Científico?
Na Science de 18 de Julho, um artigo tem chamado a atenção de blogs científicos. A pergunta do artigo é: qual é o efeito da disponibilização online de revistas nas citações científicas? A pesquisa online alargaria as citações e permitiria a inclusão de artigos fora do círculo de revistas principais em cada campo. Usando modelos matemáticos complexos, o autor demonstra que o que ocorre é exatamente o contrário. Quanto mais online a revista vai ficando (o que o autor chama de deeper backfiles, ou seja, vai colocando seu conteúdo antigo online), mais os autores citam artigos mais recentes e de cada vez menos revistas, restringindo-se às principais de cada campo. Isso se deveria a uma maior velocidade em se atingir a opinião prevalente na literatura, segui-la e assim, objetivamente, citar menos artigos: "By enabling scientists to quickly reach
and converge with prevailing opinion, electronic journals hasten scientific consensus." Mas, no melhor estilo pós-moderno, o autor arremata: "Findings and ideas that do not become consensus quickly will be forgotten quickly." Nada mais certeiro.
Além disso, há uma mudança na forma de browsing. Os cientistas estão usando cada vez mais hyperlinks!:
"Moreover, hyperlinking through an online archive puts experts in touch with consensus about what is the most important prior work—what work is broadly discussed and referenced. With both strategies, experts online bypass many of the marginally related articles that print researchers skim."
Os hyperlinks são linguagem corrente de fóruns, blogs e emails. Formas já clássicas de discussão no ciberspaço. A cibercultura invade a comunicação científica. Ou é o inverso?
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Nervo Exposto
Quando confrontado com problemas morais, cientistas tendem a esquivar-se. Como cientistas, sua glória é a excelência em ser técnico. Isto alivia sua consciência e deixa a Ética para os filósofos morais ou místicos de plantão. E, entusiastas da hiperespecialização, os cientistas dividem o trabalho de refletir e acham isso confortável. No final, sempre se pode dizer: “Esse cara está falando muita bobagem porque não conhece o assunto, não vive o cotidiano da ciência e não tem autoridade para nos criticar”.
Como George Simpson chama a atenção:
“To accept the divorce of science from morality is to accept the existent organization of social relationships by not inquiring into the degree to which it holds rational values in common with science. This divorce makes science as a vocation and activity a form of adjustment to any dominant social values. It also makes social problems immune to standards of judgment derived from the social role of the scientist.”
A sobrescrição dos valores sociais pela racionalidade científica, a ascensão dos "experts" e a tecnocracia são os resultados dessa simples fórmula. Na Medicina a tensão é ainda maior. Ela é um valor social em si. Mais que um serviço. Mais que um produto. Nela, a Moral é consubstanciada e escancarada. Como um nervo exposto.
domingo, 3 de agosto de 2008
Ainda Sobre Cientistas Éticos
Achei com algum atraso, um post e um artigo da Science sobre ética científica. O post é do excelente Spoonful of Medicine, cujo feed já se encontra ao lado. O artigo refere-se a um juramento que os novos pós-graduandos da Universidade de Toronto devem se submeter para, digamos, evitar certas "coisas" que estão acontecendo na Ciência Médica mundial. Segue o juramento na íntegra e o artigo no link da Science (para assinantes).
"I, [NAME], have entered the serious pursuit of new knowledge as a member of the community of graduate students at the University of Toronto.
"I declare the following:
"Pride: I solemnly declare my pride in belonging to the international community of research scholars.
"Integrity: I promise never to allow financial gain, competitiveness, or ambition cloud my judgment in the conduct of ethical research and scholarship.
"Pursuit: I will pursue knowledge and create knowledge for the greater good, but never to the detriment of colleagues, supervisors, research subjects or the international community of scholars of which I am now a member.
"By pronouncing this Graduate Student Oath, I affirm my commitment to professional conduct and to abide by the principles of ethical conduct and research policies as set out by the University of Toronto."
Por que criar um juramento para novos cientistas? Os autores respondem:
"The realities of the nuclear age, more frequent acts of bioterrorism, and biotechnological advances such as cloning and stem cells have fueled a call for a similar oath tailored to biomedical scientists that would encourage awareness and discussion of the social and moral responsibilities of students in the life sciences (1-4). At the Institute of Medical Science (IMS), Faculty of Medicine, University of Toronto, as elsewhere, there is rising recognition of the potential for academic misconduct, in part due to the computer and Internet age, in which there is free access to and exchange of information derived from anonymous sources. Another factor is the increasingly competitive nature and "pressure cooker" milieu of scientific training programs due to the pace of scientific progress. Finally, there is the perception that current students take plagiarism, misrepresentation of facts, and scientific fraud less gravely than did previous generations of scientists. Clearly, the time is ripe to consider improved strategies for instilling basic values about acceptable and expected behavior (5, 6)."
É isso aí...