No livro VI de
Ética a Nicômaco, Aristóteles nomeia as cinco virtudes através das quais a alma atinge a verdade (
alethéia). São elas, a arte (
techné), o conhecimento científico (
episteme), a sabedoria prática (
fronésis), a sabedoria filosófica (
sofia) e o entendimento (
noûs). Todas podem atingir a verdade igualmente.
Aristóteles primeiramente define
episteme como conhecimento científico das coisas imutáveis. Notar que esse tipo de conhecimento não tem nada a ver com a ciência atual que tem na experimentação, a comprovação de suas verdades. A
episteme é um tipo de conhecimento apodítico normalmente indutivo e contemplativo, conseguido através do entendimento (
noûs) que permite intuir a verdade. É comunicável podendo ser aprendida e ensinada. É um caminho que possibilita atingir uma
sofia - o conhecimento filosófico. A
techné, por sua vez, é um conhecimento de uma habilidade que nos permite saber quais passos dar para fazer algo vir a ser. Algo que poderia não ser da forma que é, portanto, mutável ou contingente. A preocupação da
techné é com o produto final. Como habilidade pode ser aprendida e esquecida. Já a
fronésis é frequentemente traduzida como prudência ou sabedoria prática. Envolve deliberação e escolha sobre o bem viver. É a forma de raciocínio apropriada à
praxis pois lida com o que é variável e sempre envolve uma mediação entre o universal e o particular. A produção (
poiésis) é um fim em si, sendo que a ação fronética não, pois seu
télos está em si mesma. Há uma certa ambiguidade em função da profusão de exemplos relacionados à Medicina utilizados por Aristóteles, mas ela parece se aproximar mais de uma
techné. Diz-nos
Jaeger sobre as formas de conhecimento na Grécia Antiga:
“(...)apresentando-se ainda como comunicação de conhecimentos e aptidões profissinais a cujo conjunto, na medida em que é transmissível, os Gregos deram o nome de techné. (...) As regras das artes e ofícios resistiam naturalmente, em virtude da sua própria natureza, à exposição escrita dos seus segredos, como esclarece, no que se refere à profissão médica, a coleção dos escritos hipocráticos”.A Medicina foi descrita como
techné por Platão (
iatriké techné) no Cármides (Da Sabedoria), pelos estóicos e por Plotino (Eneádas). Aristóteles considera a Medicina uma
techné que persegue um
télos do bem, a Saúde. A política por exemplo, persegue seu
télos, a boa vida e o bem viver para a pólis e por conseguinte, de todos os homens sendo por isso, a sabedoria a qual todas as outras estariam subordinadas. Apesar de tais descrições, existe ainda certa discussão sobre se a Medicina é uma
techné ou uma
fronésis . Porém, o médico ao deliberar sobre quais ações tomar para produzir a saúde em seu paciente, adota uma série de procedimentos muito semelhantes ao
frônimos , o agente da
fronésis. Além disso, ao utilizar-se de algum tipo de conhecimento prévio e geral, estará usando uma
episteme em um sentido lato. Apesar de ser uma
techné, tem um procedimento fronético inerente, além de utilizar alguns conceitos epistêmicos. Parece que, ao menos em Aristóteles, a Medicina se dá numa área de fronteira, como mostra a figura.
Essa abordagem da ética humana se distingue da abordagem da natureza (platônica) pois na ética aristotélica não atuam as “forças” da
physis, apenas o
ethos do homem. A imutabilidade da compreensão das coisas da natureza dá lugar a um contexto onde as situações nem sempre são como são, pois podem também ser diferentes. “O problema então é saber como pode se dar um saber teórico sobre o ser ético do homem”. Que tipo de saber seria esse? Dito de outro modo, um saber geral que não saiba aplicar-se à situação concreta, permanece sem sentido. Por outro lado, um saber que envolva o homem e suas coisas como objeto, necessita de um conhecimento-em-serviço que tem a ver com a experiência do agente, conhecimento esse, difícil de transmitir.
Parece ser esse o ponto, segundo vários comentadores, no qual Aristóteles escolhe a Medicina como paradigma de seu método. Ao longo da “Ética a Nicômaco” , cita a Medicina tantas vezes ao ponto de Jaeger afirmar que:
“O exemplo da medicina é usado não apenas como um modelo do método para análise teórica da ética, mas igualmente para sua aplicação prática na vida e educação humanas. A medicina era o protótipo que combinava ambos aspectos e era exatamente esta combinação que fazia dela o perfeito modelo para o filósofo ético”.
Quantas mudanças ocorreram desde então! Não somos mais exemplos de conduta ética. Viajamos à reboque de modismos. Nossa relação com a ciência que embasa nossas condutas é espúria. Não dialogamos com leigos. Não dialogamos com médicos de outras especialidades. Não refletimos.
Ao procurar uma maneira para explicar sua educação moral, Aristóteles encontrou na Medicina muito mais que uma metáfora. Na verdade, ela se tornou um modelo constitutivo através do qual muitas escolas helenísticas pensaram e praticaram a ética. Se, por um lado a Medicina tinha um
modus operandi bastante característico na antiguidade clássica a ponto de servir como modelo de conhecimento moral em serviço, essa não é, efetivamente, sua condição hoje. A separação entre
areté e
logos operada por Aristóteles deslocou a Medicina de seu centro ético empurrando-a para um posicionamento muito mais epistêmico.
Qualquer atividade humana que se preocupe com os meios para atingir determinados fins é uma atividade ética tendo portanto, um lugar para o conhecimento fronético. A razão instrumental frankfurtiana não contempla uma racionalidade desse tipo. Não cobro, e nem posso cobrar, uma Ciência ética. Exijo, porém, cientistas éticos.